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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Ensino da letra cursiva para crianças em alfabetização divide a opinião de educadores

Por HÉLIO SCHWARTSMAN
Articulista da Folha

Deve-se ou não exigir que as crianças escrevam com letra cursiva? A questão, que divide educadores e semeia insegurança entre pais, está --ao lado da pergunta sobre o ensino da tabuada-- entre as mais ouvidas pela consultora em educação e pesquisadora em neurociência Elvira Souza Lima. A resposta, porém, não é trivial.

Quem tem letra feia pode ter de trocar a de mão pela de forma

Quatro ou cinco décadas atrás, a dúvida seria inconcebível. Escrever à mão era só em cursiva e, para garantir que a letra fosse legível, os alunos eram obrigados desde cedo a passar horas e horas debruçados sobre os cadernos de caligrafia.
Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem
A profesora Silvana D'Ambrosio, do colégio Sion, na cidade de São Paulo, ajuda o aluno Mateus Yoona fazer letra cursiva
A profesora Silvana D'Ambrosio, do colégio Sion, na cidade de São Paulo, ajuda o aluno Mateus Yoona fazer letra cursiva
Veio, contudo, a pedagogia moderna, em grande parte inspirada no construtivismo de Piaget, e as coisas começaram a mudar. O que importava era que o aluno descobrisse por si próprio os caminhos para a alfabetização e a escrita proficiente. Primeiro os professores deixaram de cobrar aquele desenho perfeito. Alguns até toleravam que o aluno levantasse o lápis no meio do traçado. Depois os cadernos de caligrafia foram caindo em desuso até quase desaparecer.

O segundo golpe contra a cursiva veio na forma de tecnologia. A disseminação dos computadores contribuiu para que a letra de imprensa, já preponderante, avançasse ainda mais. Manuscrever foi-se tornando um ato cada vez mais raro.

No que parece ser o mais perto de um consenso a que é possível chegar, hoje a maior parte das escolas do Brasil inicia o processo de alfabetização usando apenas a letra de forma, também chamada de bastão.

Tal preferência, como explica Magda Soares, professora emérita da Faculdade de Educação da UFMG, tem razões de desenvolvimento cognitivo, linguístico: "No momento em que a criança está descobrindo as letras e suas correspondências com fonemas, é importante que cada letra mantenha sua individualidade, o que não acontece com a escrita "emendada' que é a cursiva; daí o uso exclusivo da letra de imprensa, cujos traços são mais fáceis para a criança grafar, na fase em que ainda está desenvolvendo suas habilidades motoras".

O que os críticos da cursiva se perguntam é: se essa tipologia é cada vez menos usada e exige um boa dose de esforço para ser assimilada, por que perder tempo com ela? Por que não ensinar as crianças apenas a reconhecê-la e deixar que escrevam como preferirem? Essa é a posição do linguista Carlos Alberto Faraco, da Universidade Federal do Paraná, para quem a cursiva se mantém "por pura tradição". "E você sabe que a escola é cheia de mil regras sem qualquer sentido", acrescenta.

A pedagoga Juliana Storino, que coordena um bem-sucedido programa de alfabetização em Lagoa Santa, na região metropolitana de Belo Horizonte, é ainda mais radical: "Acho que ela [a cursiva] é uma das responsáveis pelo analfabetismo em nosso país. As crianças além de decodificar o código da língua escrita (relação fonema/ grafema) têm também de desenvolver habilidades motoras específicas para "bordar' as letras. O tempo perdido tanto pelo aluno, como pelo professor com essa prática, aliada ao cansaço muscular, desmotivam o aluno a aprender a ler e muitas vezes emperram o processo".

Esse diagnóstico, entretanto, está longe de unânime. O educador João Batista Oliveira, especialista em alfabetização, diz que a prática da caligrafia é importante para tornar a escrita mais fluente, o que é essencial para o aluno escrever "em tempo real" e, assim, acompanhar a escola. E por que letra cursiva? "Jabuti não sobe em árvore: é a forma que a humanidade encontrou, ao longo do tempo, de aperfeiçoar essa arte", diz.

Magda Soares acrescenta que a demanda pela cursiva frequentemente parte das próprias crianças, que se mostram ansiosas para começar a escrever com esse tipo de letra. "Penso que isso se deve ao fato de que veem os adultos escrevendo com letra cursiva, nos usos quotidianos, e não com letras de imprensa".

Para Elvira Souza Lima, que prefere não tomar partido na controvérsia, "os processos de desenvolvimento na infância criam a possibilidade da escrita cursiva". A pesquisadora explica que crianças desenhando formas geométricas, curvas e ângulos são um sério candidato a universal humano. Recrutar essa predisposição inata para ensinar a cursiva não constitui, na maioria dos casos, um problema. Trata-se antes de uma opção pedagógica e cultural.

Souza Lima, entretanto, lança dois alertas. O tempo dedicado a tarefas complementares como a cópia de textos e exercícios de caligrafia não deve exceder 15% da carga horária. No Brasil, frequentemente, elas ocupam bem mais do que isso.

Ainda mais importante, não se deve antecipar o processo de ensino da escrita. Se se exigir da criança que comece a escrever antes de ela ter a maturidade cognitiva e motora necessárias (que costumam surgir em torno dos sete anos) o resultado tende a ser frustração, o que pode comprometer o sucesso escolar no futuro.

O que a ciência tem a dizer sobre isso? Embora o processo de alfabetização venha recebendo grande atenção da neurociência, estudos sobre a escrita são bem mais raros, de modo que não há evidências suficientes seja para decretar a morte da cursiva, seja para clamar por sua sobrevida.

Há neurocientistas, como o canadense Norman Doidge, que sustentam que a escrita cursiva, por exigir maior esforço de integração entre áreas simbólicas e motoras do cérebro, é mais eficiente do que a letra de forma para ajudar a criança a adquirir fluência.

Outra corrente de pesquisadores, entretanto, afirma que, se a cursiva desaparecer, as habilidades cognitivas específicas serão substituídas por novas, sem maiores traumas.

fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u736314.shtml

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Resenha: LIMA, Elvira Souza. Quando a criança não aprende a ler e a escrever. São Paulo: Sobradinho, 2003, 32p.

Elvira Souza Lima é pesquisadora e conceituada conferencista na área de desenvolvimento humano, com formação em neurociências, psicologia, antropologia e música. Trabalha com pesquisa aplicada às áreas de educação, mídia e cultura. Tem várias publicações, entre elas "A criança pequena e suas linguagens", “Desenvolvimento e aprendizagem na escola”, “Ciclos de formação”, “Avaliação na escola”, "Práticas culturais e aprendizagem", "Brincar para quê?" e outras.

A obra “Quando a criança não aprende a ler e a escrever” é uma leitura recomendada para professores de Educação Infantil, alfabetizadores, professores das séries iniciais do Ensino Fundamental, professores do curso de Formação de Docentes em nível médio e Curso de Pedagogia.

A autora apresenta de modo resumido aspectos básicos que devem ser levados em consideração ao se avaliar por que a criança em fase de alfabetização não está apresentando resultados satisfatórios na aquisição da leitura e da escrita.

Lima inicia o texto destacando a escrita como uma produção cultural, cujo ensino requer uma organização sistematizada e intencional. Denuncia que muitas vezes a criança não aprende (apresenta dificuldades no processo de leitura e escrita) devido à metodologia de ensino ser inadequada aos seus processos de desenvolvimento e não considerar a escrita como um sistema estruturado. Para Lima, p. 5 “Toda criança pode aprender a ler e a escrever, mas não em qualquer situação”. Segundo a pesquisadora, para a compreensão da não aprendizagem do alfabetizando, o ponto de partida é uma avaliação que contemple todos os fatores envolvidos no processo dessas habilidades. Devem-se averiguar as aquisições já concretizadas, as que estão em processo e as que devem ocorrer em seguida. Essa ação deve propiciar um momento de reflexão para que o alfabetizador possa reorganizar sua prática. O planejamento deve ser consistente, evitando-se: palavras soltas, descontinuidade entre as atividades, desconsideração do desenvolvimento léxico dos alfabetizandos e não levar em conta os processos da imaginação do aluno para atribuir significação às palavras, imagens, que permitam a elaboração de uma frase, um texto. O ensino da leitura e da escrita deve ser elaborado de acordo com a experiência cultural da criança. Adverte que uma das funções da Educação Infantil deve ser aproximar as crianças do material escrito. Para a autora, muitas crianças que não aprendem a escrever têm dificuldade porque não tiveram o devido tempo para se apropriarem dos instrumentos de escrita ou porque foram forçadas a escreverem com quatro ou cinco anos. Pela ênfase colocada na produção da escrita no papel, muitas dessas crianças chegam até o final das séries iniciais escrevendo com dificuldade. Apresentam traçados irregulares e imprecisos, problema de segmentação, troca de letras e outros problemas de escrita.

O texto destaca ainda a importância da percepção de cada letra do alfabeto, pela criança, como ponto de partida para compreensão da escrita. Neste aspecto é necessária uma intervenção adequada pelo professor alfabetizador para que ela perceba as características de cada letra, reconhecendo todo o alfabeto. Apenas visualizar escritos expostos na sala de aula é insuficiente para que o aluno consiga escrever.

O último ponto levantado pela autora é a relação da experiência emocional da criança com o aprendizado da leitura e da escrita. A história de fracasso vivida pela criança ou pelo adulto nessa aquisição é muito negativa para sua afirmação pessoal. Por isso, alerta que a escola deve acolher o aluno de classe popular que chega até ela para se alfabetizar, pois são os alunos de menor poder aquisitivo que engrossam a fila dos reprovados.

Consideramos essa obra uma leitura da maior importância para todos os que precisam e querem entender o porquê das dificuldades encontradas pela criança ou pelo adulto no processo de aquisição da escrita. Uma reflexão, sobre os pontos levantados pela autora neste texto, pelos professores alfabetizadores, que pode muito contribuir para a melhoria do ensino da leitura e da escrita na escola, uma vez que essa reflexão sem dúvida poderá desencadear uma prática pedagógica coerente com o processo de desenvolvimento e a experiência cultural do aluno. O ensino da leitura e da escrita deve ser considerado como um processo global influenciado por diversos fatores: o próprio aluno, escrita como um legado cultural, a qualidade da mediação do professor e sua formação, a organização do espaço e tempo e a instituição escolar.

Os professores se queixam que vários alunos, mesmo chegando ao Ensino Fundamental e médio ainda apresentam sérios problemas de escrita. Sabemos que este problema se torna ainda mais grave porque a escola não está sabendo como auxiliar seus alunos a superarem os problemas nesta área, nem tem consciência de que auxiliá-los a corrigirem essas deficiências seja função não apenas do professor alfabetizador, mas também dos professores das séries posteriores à fase de alfabetização.

Autora da resenha: Profª Maria Simões de Brito