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sábado, 1 de maio de 2010

Perspectiva Histórico-cultural

CONTRIBUIÇÕES DA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO


Por Maria Simões de Brito

A teoria formulada por Vygotsky (1989) e seus seguidores, sobre o desempenho do psiquismo humano, orientada pelos princípios da teoria histórico-cultural, tem trazido uma valiosa contribuição às pesquisas referentes ao processo de aquisição da linguagem escrita e à aquisição do conhecimento de um modo geral. Usando as palavras de Vygotsky (1989, p. 74): “Estudar alguma coisa historicamente, significa estudá-lo no processo de mudança; esse é o requisito básico do método dialético”.

Esses teóricos classificam o homem como um ser histórico e cultural, que se diferencia dos outros animais por suas capacidades psicológicas superiores. Essas funções são caracterizadas pelo exercício da percepção, atenção e memória. Essas funções não se encontram “superpostas”, são “plásticas e adaptativas no desenvolvimento da criança, está relacionado com suas experiências sociais”. Vygotsky (1989, p. 74) afirma que elas representam “um processo extremamente pessoal e, ao mesmo tempo, um processo profundamente social”.


A relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento pressupõe a necessidade da mediação no processo de ensino. A pré-história da linguagem escrita é outro aspecto da teoria vygotskyan, importantes para reflexão do professor alfabetizador. Vygotsky (1989) difunde a ideia de que se deve “ensinar às crianças a linguagem escrita, e não apenas a escrita de letras”. Essa afirmativa nos leva a questionar o ensino mecânico da leitura e da escrita.

A transição do desenho para a escrita: dos rabiscos ao desenho, do desenho à escrita simbólica, foram aspectos amplamente investigados nos estudos de Luria (2006) e Vygotsky (1989). Esses estudos revelaram que a pré-história da linguagem escrita tem início muito antes de a criança entrar na escola.

Os autores consideram o ato de rabiscar como um brinquedo que, para o desenvolvimento da criança, tem um significado extraordinário. Seus primeiros rabiscos, embora ainda não apresentem formas definidas, neles estão a semente da qual brotará a origem dos signos linguísticos. Neste sentido, afirma Luria 2006, “Antes de atingir a idade escolar, a criança já aprendeu e assimilou certo número de técnicas que prepara o caminho para a escrita”.

Esse caminho ao qual se refere o pesquisador pode ser compreendido pelo trajeto percorrido pela criança desde os seus rabiscos indefinidos, os quais ela não se recorda a que se refere, aos rabiscos diferenciados que, mesmo não apresentando um conteúdo próprio, a criança já é capaz de se lembrar o que eles representam. Nesse caminho rumo à escrita, a criança passa por três fases:
  1. escrita topográfica - período dos rabiscos indiferenciados;
  2. escrita pictográfica - desenhos definidos;
  3. escrita simbólica - utilização do código escrito.

Vygotsky (1989, p.121) também percorreu a trajetória da criança rumo à escrita, partindo dos gestos e signos visuais. Afirma ele: “o gesto é o signo visual inicial que contém a futura escrita da criança, assim como a semente contém o futuro do carvalho”. Wurth, um dos seus colaboradores, destacou a ligação entre os gestos e a escrita pictográfica. Para este pesquisador, os signos são a fixação dos gestos, os quais estão ligados à origem dos signos escritos. Uma evidência dessa conclusão são os rabiscos da criança.

Para Vygotsky, o desenvolvimento do simbolismo no brinquedo é o segundo aspecto que une o gesto à linguagem escrita aos jogos das crianças:
A segunda esfera de atividades que une os gestos e a linguagem escrita é a dos jogos das crianças. [...] O mais importante é a utilização de alguns objetos como brinquedos e a possibilidade e executar com eles, um gesto representativo. Essa é a chave para toda a função simbólica do brinquedo das crianças (VYGOTSKY, 1989, p.122).

Tanto no brinquedo, quanto no desenho, o significado surge primeiramente como um simbolismo de primeira ordem. Neste sentido, afirma Vygotsky, (1989, p. 126), “a representação simbólica no brinquedo é, essencialmente, uma forma particular de linguagem num estágio precoce, atividade essa que leva diretamente à linguagem escrita”.

Significa que, quando a criança utiliza o desenho para representar algo, segundo o pesquisador, ela está utilizando um simbolismo de primeira ordem.

[...] as crianças não desenham o que vêem, mas sim o que conhecem. [...] o desenho é uma linguagem gráfica que surge tendo por base a linguagem verbal. [...] esses fatos nos fornecem elementos para passarmos a interpretar o desenho das crianças como um estágio preliminar no desenvolvimento (VYGOTSKY, 1989, P. 127).

O desenvolvimento do simbolismo no desenho é um dos fatores que pode contribuir para a compreensão da pré-história da linguagem escrita da criança.

Considerando que desenham o que conhecem, podemos destacar a importância do meio cultural, para o desenvolvimento da criança. Quanto mais ricas as experiências por elas vivenciadas, maiores as possibilidades de ampliação de sua capacidade de abstração. O desenho, além de ser uma atividade prazerosa, pode ser um recurso de ensino que favorece o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, desde que seja encaminhado de modo significativo. O desenho proposto de modo mecânico, ao contrário, servirá para embotar a criatividade e atrapalhar o desenvolvimento da criança.

O rabiscar, o brincar, o desenhar, conforme Vygotsky, (1989, p. 134), “deveriam ser estágios preparatórios ao desenvolvimento da linguagem escrita das crianças”. Esses pressupostos da perspectiva sociocultural nos levam a questionar a validade dos desenhos prontos para a criança colorir. Essa atividade embota a criatividade dela e impõe um modelo que pode vir carregado de uma mensagem subliminar: “é assim que se desenha”. A imposição de modelos, não apenas de desenhos prontos para colorir, nunca trouxeram contribuições para o processo de apropriação do conhecimento dos educandos. Ao contrário, são prejudiciais ao desenvolvimento dos alunos. No seu processo de escolarização, o aluno necessita não somente ser desafiado, mas também estimulado a avançar na sua aprendizagem.

REFERÊNCIAS:

LURIA, A.R. O desenvolvimento da escrita na criança. In: VIGOTSKI, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2006, p.143-189.

VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989. 

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