Crianças menores de sete anos, aprendizagem da linguagem escrita e o ensino fundamental de nove anos.
Por Mônica Correia Baptista*
A discussão acerca do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita antes dos sete anos tem merecido a atenção de educadores e estudiosos da área, em diferentes contextos da história da educação brasileira. Sobretudo nas últimas décadas do século XX, com a divulgação da psicogênese da língua escrita (FERREIRO E TEBEROSKY, 1985), muito se discutiu sobre esse tema.
Nos últimos anos, um novo impulso foi dado ao debate, estimulado pela antecipação da escolarização obrigatória, concretizada com a entrada das crianças de seis anos no Ensino Fundamental. Ao se discutirem os conteúdos e as intervenções pedagógicas adequados tanto às crianças que passaram a integrar o Ensino Fundamental, quanto àquelas que continuaram na Educação Infantil, tem-se problematizado a adequação ou inadequação de se trabalhar a aquisição da língua escrita nesse período da educação da infância.
Sob nova perspectiva e diante de novos desafios, o tratamento dado à questão vem revelando sua complexidade e a necessidade de se explicitarem os diferentes pontos de vista quanto aos pressupostos teóricos e práticos nela envolvidos.
Mesmo correndo o risco de uma excessiva simplificação, pode-se afirmar que, em geral, este debate se circunscreve a duas posições hegemônicas e, ao mesmo tempo, antagônicas. De um lado, argumenta-se acerca da inadequação do trabalho com a língua escrita nessa faixa etária por considerá-lo uma antecipação indesejável de um modelo escolar típico do Ensino Fundamental. De acordo com essa concepção, ensinar a ler e a escrever equivaleria a “roubar” das crianças a possibilidade de viver mais plenamente o tempo da infância. De outro lado, o trabalho com a língua escrita desde a educação infantil é avaliado positivamente e incentivado como uma medida “compensatória” ou propedêutica com vistas à obtenção de melhores resultados nas etapas posteriores da educação básica.
Qualquer que seja a posição assumida, ambas, ao enfatizarem o objeto, concedem ao sujeito da aprendizagem um papel secundário e submetido às concepções e avaliações do adulto. As perguntas a serem formuladas e respondidas no sentido de se construir uma prática educativa de qualidade, sobretudo considerando-se a complexidade que envolve essa temática, deveriam incidir sobre a criança e suas formas de expressão e relação com o mundo:
Que significado possui a linguagem escrita para a criança menor de sete anos?
Como ela se relaciona com os bens culturais e em específico com esse objeto do conhecimento?
Quais são suas condições psíquicas, sociais, emocionais e cognitivas para se apropriar dessa forma de linguagem?
Seria desejável e possível ensinar a linguagem escrita a essa criança e, ao mesmo tempo, respeitar seus desejos, aspirações, possibilidades, competências e condições de aprendizagem?
Caso seja possível, que características teriam as práticas educativas capazes de respeitar esses pressupostos?
Na publicação da orientação para se trabalhar a linguagem escrita em turma de crianças de seis anos de idade, pretendemos demonstrar que o aprendizado da linguagem escrita, desde a mais tenra idade, se constitui numa ferramenta fundamental para assegurar às crianças, como atores sociais que são, sua inclusão na sociedade contemporânea.
Antes, porém, de apresentarmos e discutirmos conceitos, práticas educativas e aspectos metodológicos que auxiliem as professoras a construírem autonomamente sua própria prática, estabeleceremos, neste primeiro texto, algumas relações possíveis entre os termos desta equação: crianças menores de sete anos, aprendizado da linguagem escrita e Ensino Fundamental, agora com nove anos de duração.
Num primeiro momento, ressaltaremos uma característica distintiva das sociedades contemporâneas: o fato de se constituírem em agrupamentos sociais marcados e definidos pela cultura escrita.
E, em seguida, coerentes com a noção de infância como uma construção social, discutiremos como a criança se relaciona com essa “sociedade mediatizada pela escrita” e como, ao fazê-lo, ressignifica essa sociedade e esse objeto do conhecimento, ao mesmo tempo em que é por eles ressignificada.
Em um segundo momento, partindo da noção de que a cultura infantil se constitui na inter-relação entre sujeitos de diferentes grupos sociais e entre os bens culturais produzidos por esses sujeitos, discutiremos não apenas o fato de que a apropriação da escrita se constitui em um instrumento de inserção cultural e social, mas também de que maneira, durante esse processo de apropriação, a criança vai introduzindo modificações, experimentando e transformando este objeto, imprimindo-lhe sua forma própria de se relacionar com o mundo.
Finalmente, após essa discussão acerca dos significados que a aquisição do sistema de escrita adquire tanto para o indivíduo quanto para o grupo social que dele se apropria, esperamos contribuir com a consolidação de um trabalho pedagógico com a linguagem escrita, capaz de respeitar as crianças como sujeitos com direitos e membros ativos de uma sociedade grafocêntrica.
Vale a pena conferir o texto completo em:
*Mônica Correia Baptista. Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, pesquisadora do Centro de Alfabetização Leitura e Escrita.
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