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quarta-feira, 28 de julho de 2010

O professor da educação básica e seus saberes profissionais*

* Resenha do livro de Cecília Maria Ferreira Borges, O professor da educação básica e seus saberes profissionais (Araraquara: JM Editora, 2004. 320p).


Por José Ângelo Gariglio

Doutor em Educação Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO) e professor do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG). E-mail: angelogariglio@hotmail.com

O tema referente aos processos de constituição dos saberes da base profissional dos professores é alvo crescente de estudos produzidos no âmbito das ciências da educação.

Esses estudos objetivam investigar a complexidade do trabalho docente, a fim de identificar e decodificar conhecimentos e habilidades profissionais que demarcariam a especificidade do ofício docente.

Mais do que isso, eles partem da premissa de que os professores militantes na educação básica possuem saberes de caráter sui generis, dotados de grande complexidade.

São saberes que precisam ser desmistificados aos olhos dos próprios profissionais, da universidade e da sociedade em geral.

A desocultação desses saberes pelas pesquisas teria a capacidade de desencadear uma corrente mobilizadora, capaz de oferecer a esses profissionais e aos conhecimentos por eles laborados um outro status social.

Tais estudos, em linhas gerais, nutrem-se de questões como: O que sabem os professores? Quais os saberes que estão na base da profissão docente? Quais os saberes necessários para ensinar? O que esses saberes têm de original? Há diferença entre eles e os conhecimentos provenientes da formação inicial, das ciências da educação, dos conhecimentos curriculares? Caso haja, em que ponto eles são diferentes? Como esses saberes são construídos? Qual a relação entre a edificação desses saberes e a experiência profissional? Trata-se de habitus, rotinas, posturas, intuição, dom, bom senso e/ou de conhecimentos de tipo sui generis e competências? Qual a relação entre os saberes profissionais e os saberes acadêmicos?

O estudo desenvolvido no livro O professor da educação básica e seus saberes profissionais tem como pano de fundo esses questionamentos. Contribui, de maneira particular, para o aprofundamento do debate sobre os processos de edificação dos saberes docentes com base num recorte bem específico, qual seja: as relações existentes entre os saberes profissionais e os saberes disciplinares.

Sendo assim, a pesquisa tem o objetivo central de mostrar de que maneira as disciplinas escolares ou a orientação disciplinar são parte significativa no processo de edificação e caracterização dos saberes dos professores. Valendo-se desse eixo central, o estudo de Cecília Borges baliza-se em duas questões, a ver: como os professores do ensino fundamental de 5ª a 8ª série concebem seus saberes profissionais, considerando que, tanto na sua formação quanto no seu trabalho, são marcados por uma orientação fortemente disciplinar? Qual seria o peso, o significado e o lugar dos componentes disciplinares na edificação dos saberes docentes, tomando por base a concepção que eles próprios têm de seus saberes?

Mesmo considerando que os saberes docentes não se resumem ao domínio dos conhecimentos disciplinares, o estudo desenvolvido pela autora parte da constatação de que a profissão docente no Brasil sofreu e sofre forte orientação disciplinar, tanto no trabalho quanto na formação dos professores do ensino fundamental de 5ª a 8ª série. Tendo essa premissa como orientadora da análise, a pesquisa organiza-se ao redor de três eixos que se entrecruzam: o primeiro diz respeito à aprendizagem do métier e tem como foco a formação inicial; o segundo tem como objetivo relacionar os saberes que se encontram na base da profissão e o lugar dos componentes disciplinares no processo de edificação dos saberes que estão na base do ensino; e o terceiro aborda as conexões existentes entre os saberes docentes e o trabalho curricular.

Após um trabalho exaustivo de análise de entrevistas com 23 professores oriundos de todas as disciplinas escolares presentes no currículo do ensino fundamental, o estudo apresenta argumentações inovadoras acerca do conceito sobre o saber docente. Em uma de suas conclusões centrais, a autora se coloca entre aqueles que defendem a tese de que os saberes docentes devem ser vistos como um amálgama de saberes oriundos de fontes variadas que se inscrevem num movimento relativo ao próprio ato de ensinar determinado conteúdo disciplinar, às contingências desse ensino, aos contextos escolares, às individualidades dos atores e, enfim, aos campos disciplinares dos quais são provenientes.

Paralelamente, mostra que a orientação disciplinar coloca-se como elemento potente no processo de edificação dos saberes, porque se revelou fortemente presente nas experiências com o ofício docente, seja na vida pré-profissional, seja na vivência profissional. Sendo assim, a orientação disciplinar revela-se como constituinte dos saberes profissionais, particularmente na identificação com a matéria, na mirada sobre o ensino, na forma como se definem como os professores de uma disciplina. Os saberes construídos pelos docentes trazem as marcas de um campo disciplinar específico, de uma formação e de práticas disciplinares marcadamente situadas. Ao mesmo tempo, o estudo lembra que os saberes docentes não são regidos única e exclusivamente pela lógica disciplinar, porque se encontram em constante movimento relativo.1

Por fim, o livro apresenta contribuições significativas ao avanço de um tema ainda pouco explorado na literatura sobre os saberes da base da profissão docente. Ao contrastar os diferentes saberes profissionais que os professores das diversas disciplinas escolares entendem possuir, a autora chama a atenção para a existência de práticas docentes marcadas pela pluralidade de contextos de ação. Com uma análise rica em detalhes, mostra que ensinar Educação Física e Matemática, por exemplo, não é fazer a mesma coisa. Não é objeto de igual consideração. Alerta para o fato de que a profissionalidade docente comporta uma dimensão social fundamental e se insere em relações sociais marcadas pela negociação com um tipo de trabalho específico, com seus conteúdos, com suas exigências próprias, com suas finalidades situadas e com suas estratégias de controle e autonomia. Aponta, assim, para a existência de culturas profissionais constituídas no processo de interação cotidiana com o ensino de uma determinada disciplina escolar, processo esse estruturado por condições de trabalho e contratos didáticos diversos.

Não obstante reconhecer a existência de saberes comuns, já que todos os docentes pertencem ao campo da educação e lidam com a prática do ensino, as reflexões contidas no livro mostram, também, que não é possível mais à pesquisa educacional tratá-los como se todos fossem do sexo feminino, do ensino fundamental, militantes de uma escola de ensino regular, que lecionam disciplinas escolares advindas de conhecimentos acadêmicos/científicos e que ensinam em condições ambientais semelhantes, ou seja, numa sala de aula organizada e padronizada de forma secular. Chama a atenção para o fato de que as pesquisas sobre os saberes da base profissional dos professores precisam desfazer certa noção de eqüidade existente no campo da profissionalidade docente. Todos somos professores, pertencemos ao professorado, mas há contextos de trabalho, hierarquias, níveis, graus e imagens bastante diferenciados. Eles são vistos com traços diferenciados e vêem o magistério com características bem distintas.



Nota



1. O movimento relativo do qual trata a autora diz respeito, mais especificamente, aos saberes da formação inicial, aos saberes da base da profissão (segundo os próprios professores) e aos saberes oriundos do trabalho curricular próprio da estrutura do ensino fundamental de 5ª a 8ª série.














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